sábado, 21 de janeiro de 2017

1a carta de janeiro

Querida C.,
estou bem. estou feliz.
tenho pensado no que era a nossa amizade.
nunca me deste os parabéns. eu, embora triste por isso, nunca quis saber. nem toda a gente tem a sorte de ter uma boa memória. o meu melhor amigo não consegue decorar datas.
quando quiseste que eu me afastasse - com toda a razão e obrigada - começaste a falar de outras amizades. quando me reaproximei ofereceste-me palavras duras e, meses depois, um "gosto muito de ti" que junto com "és especial" se tornaram nas palavras menos desejadas.
mas ficou tudo bem, e falamos como se nada tivesse acontecido nestes anos. está tudo bem.
tudo isto para mim é uma facada no coração. sinto que quando choro estou a desfazer-me por dentro. sei que me convenço de coisas, sei que te imprimo noutra pessoa, sei que não teres querido saber de mim não é igual a outros não terem interesse. e sei que as nossas vidas são uma correria.
C., agora tenho a minha casa. cresci muito, passaram 10 anos. agora cozinho e lavo a roupa, aspiro, às vezes lavo a louça, fico mais cansada do que dantes. mas tenho o amor da minha vida ao meu lado. há uns anos perguntaste, com ar de desprezo, se eu ainda estava com ele. diz-me C., como é que eu podia ficar sem a pessoa que me equilibra? que traz estabilidade à minha cabeça, ao meu coração, à minha vida?
disseste-me também que eu seria uma grande mulher. 10 anos depois, o que é que vês C.? não sou a grande mulher que previas, sou isto. e tenho pena de ser só isto. (mas, vês?, sei citar ruy belo)
falta-me muito C., para ser uma grande mulher. e, não sei, mas acho que a depressão me vai apanhando e minando o que resta. e tu não estás aqui.
um dia não existirei, C.
li o diário da florbela espanca e é espantosa a escrita de alguém que se vai suicidar.
desculpa C., já aqui estivemos e não soubeste o que dizer. às vezes penso nisso. às vezes penso como. lembro-me daqueles que sei que me querem. às vezes parece-me que não há ninguém. como tu, afastam-se. e eu não consigo confiar em quem não quer saber de mim. magoa-me tanto.
achas que isto é uma grande mulher? passar os dias a chorar porque sinto que ninguém gosta disto (e não vejo razão para gostarem)?
desculpa C., já aqui estivemos.
um dia não existirei, C.

Sem comentários: