segunda-feira, 18 de abril de 2016

fevereiro, dois mil e quinze

Devias ir para casa descansar. É o que ela me diz, entre o sonho e a realidade, as palavras inventadas, memória construída de raiz, o som que ressoa nestas paredes imaginadas. É o que eu digo nas noites em branco passadas a escrever sobre ti, isto é, sobre a tua presença e a tua ausência, a tua omnipresença. É a tua recordação que volta, envolta em mágoa e eu não quero. Não te permito, não sei recusar-te, proíbo-te mas nunca fui de proibições, deixo o peito aberto.

Fecho-me. Falo comigo. Ralho comigo. Perco-me nas memórias, nunca vou voltar a ser assim, não há volta a dar, não consigo estabelecer um diálogo coerente. Tremo. Quando fico nervosa, tremo. Quando me vou abaixo, tremo. Faço caretas, mordo os lábios, entrelaço as mãos, tento estalar os dedos, brinco com as alianças, reviro os olhos, falo rápido ou fico em silêncio, ganhei vícios. Na minha ansiedade não há espaço para desejar a casa ou o descanso. Espero para desabafar, com alguém.

Dentro destas paredes imaginadas trocamos palavras duras, sentidas, emocionadas, depositando toda a mágoa e o carinho que ficou pelo caminho, que o azeite e a água podem conviver muito bem se quisermos. Os meus tiques abalaram, só um vício permanece mas até esse podemos partilhar. Lá fora a noite insinua-se, entra pela janela dentro e escurece a sala, eu sinto-me cercada por esta nuvem de frustração, olho para ti por entre o fumo e não me restam mais palavras. Esmago o meu último cigarro, desculpa, hoje ficamos por aqui. Tu insistes que hei-de chegar lá, o diálogo irá fluir, mas quando?

Enfio a cabeça entre as mãos e choro num ritmo descompassado, desalmadamente. São dores sem ferida, não me sei curar. Ainda que me acolhas, que me consoles, só consegues fazer isso neste local falso e eu só posso desabar à tua frente aqui. Outrora abraçavas-me, neste mesmo sítio, e eu julgava que isso curava as feridas. Hoje o teu olhar percorre o meu rosto e procura mais, mais do que eu consigo balbuciar e do que tu queres ouvir. Dizes-me que não pode ser, que a vida continua e que a noite é um engano, que nos deixa sem filtro, que tudo o que dissemos é um exagero, que fomos tropeçando nestas frases sem sentido porque já não temos nada a dizer. Eu respondo-te que só vim cá para dizer que me fazes falta, que não me interessa partilhar mais nada, que a escuridão e o Marlboro foram caprichos cinematográficos que podemos dispensar.


Quebro então as paredes que eu própria ergui. Não sabes que estive todo este tempo a contar-te tudo, que houve riso e choro, que remendei todos aqueles estragos só por te ver. Volto a quem me quer, aos cafés e aos jantares e às saídas, às aulas e à rotina cada vez mais cansativa, por não ter a força do mar. 

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